quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Professor e construtor de Dom Inocêncio são homenageados em São Raimundo Nonato com rua em seus nomes

Patriarca da família Marques em Dom Inocêncio tem rua batizada com seu nome em São Raimundo Nonato

Benedito Marques Ribeiro, professor que atuou em Dom Inocêncio no início do século passado, foi homenageado em São Raimundo Nonato tendo seu nome perpetuado em rua do bairro Primavera. O novo endereço fica na parte final do bairro, uma das travessas da rua que leva ao Museu do Homem Americano, já na divisa com o bairro Campestre onde reside grande parte de inocentinos no novo loteamento construído por Ronivaldo Lopes Dias e financiados pela Caixa Econômica e Banco do Brasil.

O Inocentino Reginaldo Lopes Dias também recebeu rua com seu nome no mesmo loteamento. Reginaldo trabalhou na construção das casas do loteamento e faleceu em 2013 na localidade do Oiti em Dom Inocêncio, vitimado por um golpe desferido na cabeça, em um bar localizado próximo ao Morro do Oiti.
Os nomes foram homologados em sessão realizada na câmara municipal de São Raimundo Nonato em 22/10/14.
Da esquerda para a direita: Benedito Marques (terno, gravata e corrente no colete), Mariquinha (vestido preto), Lili (em pé atrás, de terno branco), Ana Josefa Gomes de Santana (vestido branco) e Antônio Dias Gomes Ferreira
imagem: Iraílton Marques
Histórico
(Professor Irailton Marques, seu trineto)
fonte: portalsrn
Benedito Marques Ribeiro nasceu na então Vila de São Raimundo Nonato-Piauí no ano de 1893. Era professor, agrimensor, fazendeiro, político e sanfoneiro nos momentos de lazer. Foi casado três vezes. Morou na Vila, na região de cima (hoje município de Campo Alegre do Fidalgo-Piauí) e na localidade Barra do Antônio Martins. Era considerado um dos homens mais letrados do Sudeste do Piauí. 

De família tradicional da Vila, desde pequeno foi bem educado e ensinado a ter engajamento social. Teve uma história mais notável como mestre-escola (hoje professor), sendo um dos patronos da Educação da região, ao lado de figuras do Magistério como professor João Menezes (seu primo), professor Leandro Deusdará, professor Hermógenes Dias (do Distrito de Curral Novo) e professora Maria Siqueira. Estes foram os seus contemporâneos. Construíram os pilares da tradição escolar da região, seguidos pelo trabalho educacional patronado pela Igreja Católica, em notável os tempos da direção da Ordem Mercedária. 

Não existia ainda o professor colado, ou seja, aquele pago pelo Governo, e sim a figura do professor encomendado, seguindo os moldes dos padres. O professor encomendado era chamado popularmente de mestre-escola, e era pago pelas famílias abastadas ou pelos fazendeiros para lecionar nas escolas domésticas ou familiares. A instrução era apanágio dos privilegiados, dos bem-nascidos. De certa forma isso lhe constrangia, já que Benedito Marques tinha o ideal humano de “ficar sempre do lado dos mais fracos, dos que sofriam”, disse-me alguns populares que o conheceram pessoalmente. 

O jovem professor começou a bater de frente com os costumes de sua época e na sua missão educacional começou a trazer valores humanísticos que afrontavam a ordem social estabelecida, ao propor que os ricos pagassem o funcionamento das escolas, mas que essas funcionassem como escolas comunitárias, possibilitando aos filhos dos sertanejos sem posses estudarem também. Sua ideia foi reprovada e foi estigmatizado por isso. O professor recuou para não enfrentar represálias, inclusive de sua própria família. A época não permitia isso.

As escolas familiares surgiram com todo o vapor, nos rincões isolados, motivadas pela insuficiência e ausência do Poder Público. A princípio como modelo de escola doméstica. A iniciativa partia das famílias abastadas e o ensino era ministrado no espaço doméstico por familiares letrados, que logo eram chamados de mestre-escola. Benedito Marques, assim como seu primo professor João Menezes, era de uma família de tradição escolar. 

Buscando atender às necessidades do meio social da comunidade, buscava-se trabalhar o saber formal, no entanto era o saber prático o mais focado, na lida diária da vida no convívio rural. A escola doméstica era uma experiência alternativa de instrução, e mesmo que informal supria a necessidade elementar da comunidade. Isso antes do material didático muito utilizado a partir dos anos 30: os 5 Livros de Leitura de Felisberto de Carvalho e o Livro de Aritmética de Antônio Trajano. 

O sistema de ensino não oficial era possível, é preciso ser dito isso, graças a uma legislação nacional permissiva, como é o caso do emblemático Decreto das Cortes Constitucionais, datado do dia 21 de junho de 1821, “que permitia a qualquer cidadão o ensino e a abertura de escolas de primeiras letras, independente de exame ou licença” (Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa). Foi um avanço, sendo, porém, a lei nacional de 20 de setembro de 1823 a mais revolucionária, que “permitia a todo cidadão abrir escola elementar, sem os trâmites legais de autorização prévia e sem licença e exame do requerente” (Constituição Nacional de 1823). 

As conveniências eram tantas e tais, ao ter-se uma escola na comunidade; mesmo que doméstica. O prestígio do autor da iniciativa era grande no meio social. A principal conveniência era a comodidade: essas pessoas residiam em localidades distantes dos centros urbanos, e mesmo com posses era um sacrifício tamanho enviar filhos para escolas e academias oficiais, pois demandava uma significativa remessa de dinheiro. 

O ensino tinha um caráter utilitário de imediato, socialmente falando. Seguia necessariamente a égide do prático e do útil. Mas acredite: a disciplina mais importante era a Retórica, copiada do modelo escolar dos Jesuítas. O objetivo era único: formar bons oradores, pessoas que se expressassem bem. O inacreditável é que em pleno Sertão, distante dos grandes centros urbanos, sem ter sentado nos bancos das academias, Benedito Marques dava aula de Latim e de Francês. 

No entanto, não existia verba pública para o financiamento da Educação. Quem tomasse a iniciativa de abrir uma escola tinha a permissão legal da legislação, porém, tinha que custear as despesas. Daí a instrução não ser acessível às populações sem posses, empobrecidas socialmente. Segundo relatos de Zeca Damasceno, historiador autodidata, surgiram as primeiras escolas domésticas em nossa região no início do século XX. Antes do protagonismo da Igreja Católica, e posteriores ao protagonismo da Escola de Boa Esperança, patronada pelo Padre Marcos, e muito antes disso a Educação dos Jesuítas.

Seguindo a tradição familiar, segundo relatos de populares, aos 12 anos de idade, no ano de 1905, Benedito Marques já era mestre-escola e exercia a função-missão do Magistério na então Vila de São Raimundo Nonato-Piauí, onde recebia matrículas de alunos até da região de cima (hoje São João do Piauí-Piauí) e de localidades da Bahia. A escola era da sua família, e tinha como colega professor seu primo, o professor João Menezes. A outra escola existente na Vila era da Família Deusdará, tendo como mestre-escola o renomado professor Leandro Deusdará. Até então, o professor vivia entre as letras e a política. Tinha engajamento social e participava dos acontecimentos políticos da Vila. 


Dom Inocêncio
Benedito Marques, nos Anos 10, foi contratado pelo fazendeiro Antônio Martins Gomes (1870-1946), para lecionar na comunidade Barra do Antônio Martins, ao tempo em que faria também trabalhos de agrimensura. O fazendeiro tornou-se seu sogro, sendo ele o maior criador de gado bovino da região. Uma fortuna de quase 40:000$000 (quarenta contos de réis), convertida em reais, sem muita precisão, algo em torno de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais). O império contava com 22 fazendas, com estruturas enormes e 8.000 (oito mil) cabeças de gado bovino, dentre outros animais. O professor passou a viver entre as letras, a política e o gado. No quesito político ajudou a fundar a Ala Política de Ponta da Serra em 1918, sendo o Secretário Geral. Meu bisavô João Rodrigues Damasceno foi o presidente e Júlio Dias da Silva, o vice-presidente.


Antonio Martins fazendeiro de Dom Inocêncio
O mais emblemático foi a decisão do fazendeiro Antônio Martins, que também era maçom, de matricular os filhos dos seus vaqueiros na escola familiar, juntamente com seus filhos. Algo proibido pela legislação nacional vigente à época. Há de ser dito que o fazendeiro não escravizava ser humano; essa prática era contra os seus princípios humanos. 
A escola doméstica da Comunidade Barra do Antônio Martins ganhou corpo e fama de boa escola. Já em caráter de escola da comunidade recebia jovens filhos de fazendeiros, agricultores e vaqueiros das redondezas, sendo alguns de localidades da Bahia. Tudo junto e misturado. Antônio Martins bancava toda a despesa, sendo que em 1925 a escola se agigantou em tamanho e despesa e teve que desembolsar quatro notas de 20 mil réis, sendo no total 80 mil réis (algo em torno de R$ 20.000,00 hoje). 

O professor Benedito Marques faleceu em 1936. Sua história é pouco lembrada, pois foi devorada no decorrer dos tempos pela tirania do próprio tempo e pelo descaso dos homens, em notável dos homens-públicos. 

Marcos Damasceno
Marcos Damasceno
(escritor)